quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

LEGIÃO DE AURORAS




Há em mim uma legião de auroras. Nem sei como nessa alma conturbada floresce tanta luminescência a cegar os olhos da alma. Talvez seja isso a noite escura cantada agonicamente pelos místicos rosacruzes. Talvez a perfeição do olhar. É como estar sedento frente ao mar. Água, muita água, e, no entanto dela não se pode beber. Só contemplar a pele ondulosa do Planetazul, essa voracidade oceânica que devora todos os meus sonhos.
Não consigo ver o que os outros enxergam, não consigo rir do que os outros acham engraçado, não consigo deixar de ser desconfiado, taciturno, introspectivo, porque são muitas as minhas dúvidas. Por exemplo, coleciono fechaduras e fotos de rinocerontes. Fechaduras, é óbvio, servem para fechar, porque o ser humano não suporta a transparência. Precisa sempre se cobrir: de pêlo, máscaras, teto, muro, porque a nudez é uma arte que exige talento. Ainda que um homem e uma mulher fiquem sem roupas, trancados num quarto, entregues às infinitas possibilidades do jogo erótico, não significa que estejam nus. Estão despidos. Nudez é outra coisa. É enfiar a faca até o cabo, arrebatar a lua com as mãos, destampar todos os recônditos da alma, os mais insólitos e ínfimos. Se nem suportamos ficar nus diante de nós mesmos, quanto mais diante dos outros! Por isso as fechaduras deveriam estar de língua recolhida, mas quase sempre se projetam interditando-nos.
Por que fotos de rinocerontes? Faz tempo sonhei que eu era um rinoceronte. Locomovia-me com muita dificuldade, a exigir paciência de todos à minha volta. Ao atravessar uma rua, eu me encontrava a meio caminho quando o sinal abria, irritando os motoristas; no cinema, ocupava meia fila de cadeiras; no restaurante, comia metade do bufê.
Gosto das esferas elegíacas. Da arte que não exprime lamento, dos primitivistas que ignoram as formalidades acadêmicas. Sou por eflorescências. Quase toda semana irrompem em mim vulcânicas primaveras. São flores de fogo. Procuro fixá-las em retábulos e, em exercícios espirituais, copiá-las em pergaminhos. Somente flores e borboletas superam as obras-primas da arte universal. Mas não sou dado a caçar borboletas.
Eis que me apareceu em sonhos um homem cujos sapatos tinham bicos finos e longos; na cintura, profusão de laços; as mangas eram tufadas como balões e os punhos, de renda. Estava em pé num salão fechado por cortinas de cores brilhantes, pontilhadas de estrelas de ouro entre espaços vazios cheios de sóis. Acordado do outro lado do sonho, fiquei a me perguntar se tamanha ilogicidade que preside as emanações do inconsciente não seria a verdadeira lógica que a razão tanto teme e repudia.
Só então compreendi por que René Descartes foi encontrado morto na Biblioteca Nacional, em Buenos Aires. Uma fina espátula prateada atravessava-lhe o coração.
Suspeita-se que o assassino chama-se Jorge Luis Borges, mais conhecido pelo codinome de “El Brujo”.

(por EUGENIO SANTANA - escritor laureado e autor de livros publicados; jornalista profissional de mídia impressa; poeta, publicitário e editor. Membro efetivo da Academia de Letras do Noroeste de Minas (ALNM), cadeira número dois; sócio efetivo da UBE/SC-GO – União Brasileira de Escritores. Escrevo e publico a partir dos 16 anos de idade, com um só propósito: transmitir VERBO DE LUZ que possa acrescentar algo na vida dos meus leitores. Busco a Transcendência através da Literatura em seus variados gêneros. Escrever é minha Missão.)

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