quarta-feira, 29 de abril de 2015

SABEDORIA: CAPACIDADE DE SABOREAR O MUNDO (*)

Conheço muitos testes de inteligência. Não conheço nenhum teste de sabedoria. É fundamental saber a diferença entre essas duas, inteligência e sabedoria, frequentemente confundidas. A inteligência é a nossa capacidade de conhecer e dominar o mundo. Ela tem a ver com o poder. A sabedoria é o êxtase de saborear o mundo. Ela tem a ver com a felicidade. As escolas se dedicam a desenvolver e avaliar a inteligência. Para isso desenvolveram testes. Os testes avaliam a inteligência dos alunos por meio de números. Mas elas nada sabem sobre a sabedoria, e nem elaboram testes para avaliá-la. Nas escolas e universidades, muitos idiotas são aprovados. A inteligência é muito importante. Ela nos dá os “meios para viver”. Mas somente a sabedoria é capaz de nos dar “razões para viver”. Muitas pessoas se suicidam porque, tendo todos os “meios para viver”, não tinham as “razões para viver”. Proponho-lhe um teste de sabedoria. Ele é muito simples. O seu aniversário está chegando. Você já não é mais jovem. O espelho lhe revela coisas que você não gostaria de saber. Diante de sua imagem no espelho existe sempre o perigo de que uma magia perversa aconteça, e você seja repentinamente transformado em bruxa ou ogro – tal como aconteceu com a madrasta de Branca de Neve. Em desespero, você invoca os deuses. Eles vêm em seu auxílio e lhe dizem que atenderão a um desejo seu, a um único desejo. Que súplica você lhes faria? Digo-lhe que essa seria a hora da pureza de coração, quando todos os supérfluos têm de ser deixados de lado. “Pureza de coração” – assim disse Kierkegaard, meu querido filósofo solitário, companheiro já morto; por vezes os mortos são companhia melhor que os vivos, porque falam menos e ouvem mais – pureza de coração, ele disse, “é desejar uma só coisa”. Digo que isso é sabedoria, mas pode parecer mais coisa de neurótico obsessivo, ficar querendo uma coisa só, o tempo todo. Você entenderá o que digo se você prestar atenção no voo dos pássaros. E, para ajudá-lo nesse dever de casa, transcrevo o que Camus pensou, ao observá-los. “Se durante o dia o voo dos pássaros parece sempre sem destino, à noite, dir-se-ia reencontrar sempre uma finalidade. Voam para alguma coisa. Assim talvez, na noite da vida...” O texto termina assim, com essas reticências que, segundo Mario Quintana, são o caminho que o pensamento deve continuar a seguir. Assim é o coração. Há momentos na vida em que ele é como o voo dos pássaros durante o dia: oscila em todas as direções, sem saber direito o que quer, ao sabor das dez mil coisas que o fascinam, tão desejáveis, cada uma delas uma taça de êxtase supremo. Chega um momento, entretanto, em que é necessário escolher uma direção – é preciso descobrir aquela palavra, aquela única palavra que dá nome ao nosso sofrimento, que nomeia a nossa nostalgia, para que saibamos para onde ir. Há um ditado que diz que a melhor comida é angu com fome. Que adianta o bufê servido com dez mil pratos se o corpo não deseja nenhum? Mas se existe a fome, feijão com arroz é uma alegria incontida. Felizes os que têm fome... Os poetas rezam sempre. Rezam porque a poesia é coisa que se escreve diante do vazio, mínima refeição de palavras para matar uma fome que não pode ser matada: A fome de viver. Os poetas sabem que é inútil que se comprem todas as coisas. Diferentemente daqueles que rezam para que Deus lhes encha a barriga, eles rezam para que nunca deixem de ter fome. Porque, se deixarem de ter fome, eles deixarão de ser poetas. Nada mais triste que um corpo sem desejo. Disso sabem muito bem os que amam. Vejam essa terrível oração de T.S. Eliot: “Salva-me, ó Deus, da dor do amor não correspondido, e da dor muito maior do amor correspondido”. (*) Jornalista e Escritor EUGENIO SANTANA – Registro MTb 1319/JP. Autor de seis livros publicados – O encantador de leitores vorazes, estrelas, celebridades, pérolas, esmeraldas, rubis e diamantes...