sábado, 23 de julho de 2016

CENÁRIO PARA O LEITOR NA CONTEMPORANEIDADE

É plausível, de outra maneira, indagar se a velocidade, a fugacidade, a situacionalidade e a opacidade da “era contemporânea”, ou, em melhor expressão, da contemporaneidade, permitem, ainda, as virtudes da calma, da paciência, da iniciação a textos de nível mais elevado, da busca de experimentalismos no estilo ou de uma abstração mais profunda e simbólica. É pertinente, até, perguntar se a universalidade da palavra e do texto escrito mantém o mesmo sentido, tanto para o prazer quanto para a instrumentalização da necessidade. E, mesmo assim, se crianças, adolescentes e pais querem ainda a busca de uma educação clássica ou vernácula, de iniciações no noviciado das letras e a eterna busca do imperativo kantiano do “ousar saber” e da “saída da menoridade”. Para o prazer ou para o entretenimento, o inimigo declarado do lema “deixar de ser menor” é a resignação. Uma resignação aparentemente sem culpas, que é madrasta do individualismo consumista e caminha na contramão do agenciamento coletivo, de liderança e da cooperação. Ser leitor na contemporaneidade é ser um agente de comunicação. Infância e maturidade dos intelectuais. Ao invés de mero consumidor, o leitor é, simultaneamente, um agente cultural e comunicacional com grandes possibilidades de exercício de suas “vontades de potência”. Sua volição é mudar a si mesmo e mudar o mundo. Sua voluntariedade oscila entre a competição e a cooperação. A leitura é, outrossim, agenciamento e enfrentamento político. Como atitude, enfrentar um texto escrito é ação serigráfica: marca superfícies reais e simbólicas. Marca o papel, marca a página, risca a dobra do livro, marca a memória e risca a imaginação. Como enfrentamento do mundo, a leitura não é uma boa amiga da resignação. Abraçar a leitura, hoje, é ato de coragem e escolha. A passividade é outra inimiga do leitor e da leitura. Verdade que aceitá-la é resignar-se aos possíveis frutos da perdição. O caminho da leitura é da atividade e do enfrentamento. A estrada do leitor, que lê por prazer ou por necessidade, por fantasia ou instrumento, é de tomada de posição, afirmação de palavra, vocativo da imaginação. Não importa – e não importará tanto – se as narrativas serão ágeis ou lentas, descritivas ou dialogais, lineares ou não-lineares. Importa que o leitor, como produtor ou co-produtor, associado ou não às pautas do mercado editorial, precisa, necessária e inevitavelmente, de realizar o imperativo da escolha. As implicações da escolha são, decerto, mais que culturais, científicas, artísticas, sociais, psíquicas, estéticas ou comunicacionais: são políticas e ideológicas. A humanização do leitr se dá, de fato, pela hesitação diante da pluralidade de possibilidades. No limite, conformam “muitos mundos” (pluriversos), para intercambiar sua identidade. O bom leitor sabe que, pela leitura, pode obter “acesso” a processos simbólicos que o auxiliem a escolher o que almeja da vida e até a alteração de rotas e trajetos efetuados. (EUGENIO SANTANA é jornalista, escritor e ensaísta. Autor da biografia de João de Deus – o médium de Abadiânia) WhatsApp (61) 99581-4765