terça-feira, 27 de março de 2018

AS SEMENTES DO OÁSIS QUE SONHAMOS...

Quando a lágrima se debruça sobre a sacada dos olhos, é sinal de que muitas vezes os cômodos e corredores da alma se converteram em rios. Enquanto isso, o rosto aguarda em silente expectativa pelo momento em que se transformará em cascata, uma cachoeira se abrindo das janelas da alma com raízes em silêncio de concerto, fincadas nos porões do coração, sendo contidas apenas por uma frágil represa feita de cílios. Há quem imagine que tristeza é coisa feita na fraqueza de suspiros, no entanto, tristeza é também ventania que esculpe com sua força novas fissuras e contornos na face desfigurada, despovoa ruas antes habitadas por passos extrovertidos e faz ruídos de solidão na concha do ouvido. A tristeza é dotada de uma inacreditável capacidade de subverter meteorologias, visto que pode até fazer Sol do lado de fora, mas em seus domínios paira uma neblina cinzenta que gruda na retina e embaça as cores, de modo que do lado de dentro escurecemos com nuvens de cortinas e cobertores. Reconheço que nem sempre a lágrima da tristeza é auto referência, visto que emprestamos vez por outra nossas lágrimas às causas e dores do outro, bem como por vezes abrimos as comportas para desrepresar o choro real por conta de tramas imaginárias que tem o poder de nos tocar de modo mais humano do que muitos que se desumanizaram. Dizem que lágrimas assim têm o poder de nos devolver a humanidade. É necessário ainda dizer que, se não fossem as cebolas, o que seriam das lágrimas censuradas? As cebolas prestam um serviço inestimável aos que sem se permitirem ou mesmo serem permitidos a chorar, ao manuseá-las encontram autorização que lhes isentam do pedágio das explicações e justificativas; lágrimas de cebola são confessionários que nos viabilizam tirar o cadeado de afetos aprisionados, permitindo a esses um banho de sol. Entretanto, vale enfatizar que as lágrimas não dizem respeito apenas aos lamentos e angústias, visto que na tristeza nosso corpo chora uma fina chuva regando o chão duro da existência por aqueles que não aceitam aquilo que é, na esperança de que aquilo que ainda não é, possa finalmente vir a florescer. Descubro que tristeza também pode ser prenunciadora de alegrias quando se revela em resistência frente aos desertos e absurdos que nos cercam, a fim de regar com nossas lágrimas as sementes do oásis que sonhamos. (Escritor/jornalista EUGENIO SANTANA)